Por Fernanda Maia
partido o amor a distância posta
o tempo a varrer as folhas secas
artefatos
ouço sua voz.
procurei por ela quando sua caligrafia me atingiu o rosto - meu corpo é feito
de um papel de relevo irregular, que retém água das tintas manchado agora
pelo vinho entornado na mesa posta por você a minha espera, atônita,
procurei a sua voz
eu entoava a sua palavra repetidamente,
procurando ali uma correspondência um
gesto,
desejo de espelho,
imersa em mistério
poderia aquela caligrafia retornar as folhas secas às minhas
mãos? se o fizesse, eu teria a habilidade de tomá-las
novamente e ler o que elas contam o desenho que se faz em
seu corpo vegetal?
tudo é turvo demais sem essa memória esparramada no
chão a terra é seca demais pra que eu possa enxergar o que
se passa há muito tempo não chove aqui.
encontrei a sua voz, solta, e
agora a ouço em silêncio,
todo um universo sonoro é fundado por sua voz, e finalmente chove
lavando o chão onde recolho, agora ofegante, uma folha antes
enterrada sob a terra seca tomo-a nas mãos e escuto o canto da ave
selvagem que habita o texto.
Fernanda Maia é nascida em Montes Claros - MG (1994), formada em Letras e Mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Estadual de Montes Claros. É professora na zona rural de Diamantina (MG), trabalha com escrita, ilustração e audiovisual. Convive com plantas e se interessa por pensar imagem e poema.
Ilustração: Fernanda Maia
Fernanda Maia, sensível esta partitura, onde se lê - nota a nota - as minúcias do sentimento em meio ao outono que se apresenta. Lindas as ilustrações!