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Ode ao fumo

Jacyntho Lins Brandão



De que interditaram fumar nos

cafés de paris nunca mais foi

a mesma a filosofia francesa a

arte refluiu e a literatura

soudain à retaguarda aderiu:

está a escrever-se quanto tanto

o ser e o nada devem cada

aos gitanes que sartre fumava

e quantas partes há de nexo no

segundo sexo com os maços de

gauloise que fumava simone:

e de resto quanto fora dos

cafés de paris homens e mulheres

franceses gauleses ou berberes

sorviam na fumaça dos vagões

a inspiração por metro expiração

que mantinha acesa a filosofia

a poesia e tanta arte francesa.


**


E quando fez sartre a tão famosa

conferência para araraquara

àquela plateia maciça de

intelectualidade tão paulista

a mil fumava fausto castilho ao

rastilho de zé celso e mesmo que

não se diga que fumasse ativo

fernando henrique à vista de ruth

cardoso em araraquara nascida

se diga fumava passivo junto

ao charuto donde sartre exalava

baforadas em tanta intelectual-

idade paulista: também no largo

de são francisco celso lafer o

charuto inspirava a decifrar

hanna arendt (a qual não usava

isqueiro pois de tantos cigarros

o terceiro acendia no segundo

aceso antes no que era primeiro):

e à rua maria antônia a ler

enigmas de píndaro josé

cavalcante de souza não deixava

seu cachimbo: e na escola que na

rua carangola wilton cardoso

de sousa segue por fumos em rima:

e arrola fumante clara grimaldi

imagens mil de estilística: e eneida

maria de souza que tão bem

fumou em paris os fumos ensina

da selva moderna de macunaíma.


***


Que de espantar? de quando os tupi-

nambás ensinaram antes pitar

dos tais rituais de antropofagia

pitam as tias junto aos fogões

movidos a lenha em que esquenta o

café boca-de-pito: nos terreiros

cachimbam entidades: tabaqueia-se

pelas cidades onde tantos

juízes o fumum aspiram sem

que cura retenham de boni iuri

pra réus que não têm quem se lhes cure:

marias joões amados amantes

de noite e de dia de antes de pois

em meio aos afagos vão-se aos cigarros:

e vai-se tão bem a quando se votam

artigos de fé no ilustre cabido

da sé de mariana cientes que

o peito dúbio de javé já

cessado o dilúvio e saído

do barco noé o odor aspirou

do cruel sacrifício e com o arco

selou o armistício brumoso nos

fumos de novo oloroso reinício.


**


Ora direis ouvir... que assim seja!

da deusa estatística ouvintes fiéis

que vinte quarenta até mais dos centos

fumantes duzentos que tossem

que chiam trezentos lamentam que

a morte assim débeis adiam

em meio a catarros tumores e

enfartes que dão ao cigarro:

que seja! se culpe o tabaco por

pouca saúde de tanta saúva

que rala se agita se amiga se

estrepa em incerta república

que só de formigas que tolas

trabalham e mais se atrapalham

e seguem nas lidas correntes

até responder com inciente saúde

as tantas saúvas ao quanto

chamado da chama que extingue

no tempo acertado o tempo expirado.


*


Pois foi de banirem quão de repente

o fumo aos cafés que há em paris

se quis abolir a vanguarda e

à retaguarda em susto fugir

em fuga dos anos de danação:

ao que levou eis aí: já mais não

fica a mesma a arte a poesia e

a filosofia que antes tão francesa

que nada repara e não mais se ampara

(não sei o que diga de araraquara

pois só filomena hirata é que adia

um só hollywood acendendo ao dia):

que mais não a mesma resta esta vida

qual antes sabida era a contento

que breve um só tempo escandia

escoante pra só pensamentos

vibrar passamentos diários de dias

que duram o que dura um pigarro

que é quanto de carro levou ângelo

oswaldo pra levar a ouro preto

cortázar e fumar dois cigarros.




 

Jacyntho Lins Brandão é professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais e autor, dentre outros, de O fosso de Babel (Nova Fronteira, 1996) e Mais (um) nada (Quixote+Do, 2020).


Ilustração: Isabela Righi

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