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Miúda astronomia

Pedro Vale




É preciso viver sem paixões.

Mergulhar no absoluto anonimato,

Permanecer morto ou vivo até ao fim.

Aclamar o tumulto escuro e bruto.

Encenar o drama clemente e lento.

Sentir um amor ideal por anjos nebulosos.

Descobrir um novo fundo de poesia e aguardar

uma voz que nos ordene docilmente:

- Não te movas, nem te inquietes,

nem traias o que

ainda não

és.



***



Hoje acordei com uma andorinha no estômago.

A noite era de tempo limpo e sono.

Sabia a quebra milenar, cabelo solto.

Nenhuma angústia, lei, mato ou víscera defronte.

O prédio seguia o seu curso normal de vida, espécie de abrigo impune.

Gineceu.

Observava sem capacidade estrelada o céu, quando a miúda astronomia me

Espantou a inocência.

A circular impressão se revelara.

Tal como no meu estômago, assim uma via-andorinha se alongava, qual

fita emprestada, distraidamente, no ar.




 

Pedro Vale vive no Funchal desde 2002 onde é professor de primeiro ciclo. Cursou Ciências da Cultura e frequenta o mestrado em Gestão Cultural na Universidade da Madeira. O seu primeiro livro - "Azul Instantâneo" - foi lançado em dezembro de 2017 e o autor trabalha há largos meses na sua segunda edição.


Ilustração: Clara Amorim


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